Como se não soubéssemos que tudo acaba em pizza

E a farra continua à solta no país. Quando algo saí errado, o povo e mesmo as classes média e média alta socializam a dívida. Quando, mesmo com a incompetência e inoperância do Estado e de algumas empresas, saí certo, alguns poucos colhem os frutos. O atual governo é ainda melhor do que seus antecessores em maquear a política de pão e circo. E, mesmo sem a figura carismática do antigo líder, consegue apagar os incêndios provocados por seus companheiros.

Traço um cenário brasileiro para a Copa. Se por um milagre você paulistano conseguir vôo par assitir a abertura em algum outro destino (isso por que os vereadores em São Paulo parecem estar recuperando o bom senso, só faz sentido isentar tantos impostos se for para ter a abertura da Copa), terá que contar com a sorte de existir transporte público em tal local.

E você deve ir no horário do jogo, por que se depender do sistema hoteleiro...

Mas aí, com algum espírito esportivo, você supera a longa espera no aeroporto, fica na casa de alguém conhecido que te dá carona e então só falta o ingresso. Esse vai faltar mesmo. Boa parte são adquiridos por empresas e cedidos para convidados. Boa parte é transferida para cambistas. Sem contar que você poderá adquirir pela Internet. Claro, você, um sujeito precavido, que já garantiu a carona e a hospedagem, adquiriu o seu pela Internet!

Daí, você e seu amigo hospitaleiro se dirigem ao estádio, pagam um absurdo para estacionar, mas com um ar vitorioso e de satisfação chegam a o portão do estádio. Adentram aquela atmosfera que lembra uma arena romana. E quando vão passar os bilhetes... descobrem que os ingressos são falsos, tão falsos quanto as medidas do governo.

Pronto. Agora você conseguiu ser roubado de todas as formas possíveis. Foi roubado quando o dinheiro dos impostos do estádio deixou de ser redirecionado para benfeitorias, foi roubado no preço da passagem ou da corrida até o aeroporto de partida, achou barato o valor da passagem e da taxa de embarque mas dscobriu que o vôo era um lixo, isso se não fizesse várias escalas e não demorasse uma eternidade no check-in, uma das suas malas foi extraviada, quase acabou preso por que estava com ingresso falso.

Agora, com o jeitinho brasileiro de sempre, você convida seu amigo, e tudo termina em pizza.

Em tempo. Sinceramente, a FIFA que se exploda. Não quer a Copa aqui por que não aceitamos a palhaçada e a roubalheira propostas? Ótimo, saiam fora. Temos outras prioridades. A FIFA é quem devia ser banida do futebol mundial, não é possível que não haja outra forma para se selecionar cedes e organizar os eventos. Não aguento mais o Robinho de titular por causa de patrocinador (esse recado é para a CBF, que virou a marca internacional de empresários como Wagner Ribeiro e cia, que se apropriaram do futebol brasileiro). A lei deveria proteger mais os clubes formadores, se antes o jogador ficava na mão do clube que detinha o passe, hoje o esporte fica na mão dos empresários. A mídia que suporta essa palhaçada diz que a seleção que aí está é a que a torcida pediu. Não vi ninguém pedindo Robinho, mas sim o Lucas na direita, o Neymar na esquerda e o Pato no meio.

Rafa

Pensando a comunicação

Ao longo dos últimos 3 meses, este blog foi nosso espaço para expor pontos de vista: nunca neutros, mas sempre nossos. Às vezes meus, às vezes do Rafa. Nem sempre concordamos, mas também nunca censuramos um ao outro: aqui foi nosso território do caos. Um caos que procuramos, no entanto, organizar um pouco. Senão não haveria comunicação. E olha que às vezes a nossa comunicação até falhou um pouco. Nada irremediável.

Passeamos por todos os assuntos que tivemos vontade: reflexões sobre como se formam nossas opiniões, sobre como nossas posições são vistas e interpretadas pelos outros, e principalmente sobre as nossas próprias opiniões: assuntos cotidianos, que nos afetam diretamente ou não, que nos deixam curiosos, ou que simplesmente nos dão vontade de opinar. Coisas que estão na boca do povo, ou só na nossa boca mesmo (ou melhor, na ponta dos nossos dedos). E até sobre coisas que, às vezes, nos deixam meio desnorteados. Enfim, sobre o caos do nosso dia a dia e das nossas reflexões mais comuns.

Faltou falar sobre muita coisa. Faltou tempo pra escrever sobre assuntos espinhosos. Mas vamos fazer aqui uma última tentativa: vamos falar um pouco sobre guerras. Claro, existem as guerras tradicionais, que todo mundo conhece: o massacre dos índios na América, as guerras mundiais, a guerra do Vietnã, a guerra no Afeganistão, é uma lista interminável. Mas existem guerras cujas armas, embora não matem, tem um poder (de construção e de destruição) enorme: as palavras. As guerras de discursos são extremamente comuns e até saudáveis: opiniões contra opiniões. O problema acontece quando algumas vozes conseguem alcançar mais ouvidos que outras, e aproveitam-se disso para apresentar seus pontos como sendo os da maioria, ou mesmo como sendo os mais certos. O pior é que as palavras disseminadas por estas poucas pessoas retumbam tanto e tantas vezes que, não raro, nos pegamos repetindo alguns discursos apenas porque eles foram ouvidos tantas vezes que passaram a soar como verdade. Mas existem opiniões mais certas que outras? Eu acho que as minhas são, mas isso também já foi discutido.

A internet possui um importante papel na democratização dos espaços de disseminação de discursos diferentes. Claro que isso implica em uma grande quantidade de lixo também. Mas qualquer pessoa pode abrir um blog e colocar lá sua opinião sobre o que bem entender. No entanto, o alcance deste tipo de iniciativa se restringe aos círculos de amigos mais próximos. Quando muito, atinge leitores que, na maioria das vezes, já concordam com sua linha de pensamento e gostam de ler seus textos pra sentir que as próprias vozes não estão ecoando sozinhas. Dificilmente alguém se convence pela eloqüência de um texto que está em um blog.

Enfim, os grandes meios de comunicação ainda são inacessíveis à grande maioria. Então com que propriedade uma pequena minoria se apropria da voz do povo como se fosse a sua própria? Pior, o fazem sem que esta maioria que eles pretensamente representam se de conta disso. São as contradições desta era da comunicação...

Mari





Legalização das drogas

Se você perdeu seu tempo de ler a chamada, aproveite pra ver se abre a sua mente para uma discussão necessária. Não vou fazer rodeios com você leitor. As drogas a que me refiro aqui não são as que você esperava. Não vim falar de legalização da maconha (até por que careta do jeito que sou, viria mais para discutir a criminalização do cigarro). Vim levantar a bola para a discussão da legalização do lobby no país.

Descobri, pra minha grata surpresa, que o lobby é legalizado em alguns países. O lobby é uma forma de grupos ou bancadas defenderem seus projetos e interesses em alguma instituição democrática. Mas, como pra tudo, existe sempre o jeitinho. Um presentinho aqui, uma chantagem ali, uma troca de favores e tudo certo.

Tudo certo? Que nada. Vamos agora instituir a corrupção? Muitos poderiam dizer que é uma atividade profissional e que existem bons e maus profissionais como em qualquer área. O problema é que a atividade já nasce com esse rótulo.

Seja das navegações do descobrimento, da moderna indústria farmacêutica ou de qualquer outro setor, o lobista sempre encontra uma maneira de aliar o interesse político-econômico de forma a fazê-lo parecer imprescindível para a nação. Pense na seguinte pergunta. O que você seria se aceitasse dinheiro para moldar sua opinião?
a)     Imbecil. Não possui opinião própria.
b)     Inteligente. Ganhou dinheiro sem ter trabalho algum.
c)     Corruptível. Sabe o que pensa, mas o bolso pesa mais.

Se você respondeu “a”, pensou com o coração, mas esqueceu do cérebro. É meio evidente que qualquer ostra possa mostrar opinião própria com tanta liberdade de expressão, o problema é a capacidade para fazê-lo com competência.

Se você marcou “b”, peço que mude de país, por favor, ou que pule de uma ponte. Ambas as saídas são bem-vindas (garanto até a festa de despedida).

Se você marcou “c”, os favores pedidos a “b” são extensíveis a você.

Se você não marcou nenhuma das alternativas, que bom, há esperança. Lute por ela.

Quando um escritor toma essa posição, como Boaventura faz em seu trabalho ao tentar defender as ações portuguesas na colonização do Brasil, mostra claramente estar vendido a uma ideia, ainda que clame fazê-lo por motivos de amor à nação. Tenho claro para mim que o autor estaria tendendo muito para a alternativa “c”. Mas pior mesmo é ter que agüentar a conversa de cão arrependido quando levanta algumas hipóteses sobre a origem do terremoto que atingiu Lisboa e as pragas na Europa. É o caos “mermão”, é o caos.

Vocês conseguem imaginar quem escreveu...

Novidades...

Todo dia uma novidade. Ovo faz bem. Ovo faz mal. Um copo de vinho previne infarto. Dois, te faz um alcoólatra. Tome bastante líquido, mas sem exagerar. Não coma carne vermelha, mas não se esqueça da proteína. Salada à vontade? Passo horas no banheiro se fizer isso...

Diante de tantas transformações e uma profusão alucinante de idéias e debates, decidi não mudar muito meus hábitos. Tento me controlar, mas não faço disso uma cruzada. Agradeço todo dia pelo porco. Este animal divino que transforma o vegetal em bacon. Tento comer salada, mesmo achando alface um troço sem graça. Couve-flor e brócolis até rola, espinafre já é pedir muito... tomate em pedaços não me desce bem, mas molho até passa. Não entendo como pode haver tantos vegetarianos... nunca um pedaço de mato vai ter mais sabor que uma boa picanha.

Disso tudo, algumas coisas eu aprendi. Não há alimentação saudável que cure sua falta de coragem para dar o próximo passo numa decisão importante. Não há salada que previna você de dizer alguma asneira ou eventualmente agir de forma estúpida. Melhor aprender a pedir desculpas nestas horas. Não há comida capaz de parar no estômago assistindo show de funk ou andando na montanha russa.

Dormir é uma dádiva. Dormiria mais se pudesse. Estou acima do peso, e isso me cria alguns problemas. Deveria caminhar mais, mas a preguiça impera neste sentido. Ler é bom, fertiliza a imaginação e aduba a vida. Ver um bom filme bem acompanhado não tem preço. Mas ultimamente tem sido com os amigos mesmo.

Não há exercício capaz de modificar o caráter. O melhor exercício para isso é sempre agir de acordo com a tua consciência e alinhar seus interesses com a mesma. Nunca haverá natação suficiente para limpar as dúvidas que carregamos, nem corrida capaz de afastar as mágoas e os receios que levamos no coração. Melhor viver a vida de frente e, eventualmente, quebrar a cara, do que passar desapercebido sem fazer diferença nenhuma.

Talvez Boaventura ainda tenha tempo de corrigir boa parte do que escreveu. Talvez seja de fato a forma como ele enxerga, e daí não há motivos para ele ter arrependimentos. Talvez o que os colonizadores fizeram precise de justificativa. Ou simplesmente pode ser encarado como parte do caos que transforma a vida, como decisões que são tomadas por aqueles cuja consciência não percebe como problema os atos descritos como cruéis, captam estes como uma necessidade para algo de finalidade maior, como Maquiavel. Afinal de contas, quem tem medo de matar, não pode ter medo de morrer.

Em tempo... quem sabe não vivo para ver o dia em que a vaca já vai dar leite achocolatado e o boi,  bife a parmegiana. Sonhar não tem preço.

Rafa

Comunicação e pontuação


Pensando. Caos.
Pensando: caos.
Pensando... Caos.
Pensando, caos.
Pensando? Caos!
Pensando! Caos!

Ficou bom? Por que você não posta?
Ficou bom. Por que você não posta?
Ficou bom! Por que você não posta?

Encontros e desencontros com a pontuação...

Mari


Divulgando... Exposição 16 vezes arte: pelo fim da violência contra a mulher




A cada 15 segundos uma mulher é vítima de violência no Brasil. Na América Latina, 1 em cada 3 mulheres já sofreu violência. Diante da gravidade do problema, organizações do mundo todo – entre elas o Instituto Sou da Paz – participam anualmente da campanha dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher. Durante os 16 dias – que no Brasil vão de 20/11 a 10/12, por conta do feriado da consciência negra - são realizadas atividades de mobilização, conscientização e sensibilização da sociedade para o tema. Em São Carlos, a Prefeitura Municipal em parecria com o Instituto Sou da Paz e o coletivo Imargem – composto por artistas da zona sul de São Paulo - estão organizando a exposição 16 vezes arte: pelo fim da violência contra a mulher concomitantemente à realização do curso "Tecendo a rede e Construindo a Cidadania das Mulheres de São Carlos e região".

A exposição reúne obras de 16 artistas da grande São Paulo, entre fotógrafos, poetas, grafiteiros e artistas plásticos que retratam o tema por meio de sua arte. O objetivo é sensibilizar e mobilizar para a urgência do fim da violência contra as mulheres. Os artistas convidados são jovens, mulheres e homens, que atuam na cidade de São Paulo, criando intervenções e situações provocadoras em espaços públicos.

O Projeto Imargem é uma intervenção multidisciplinar que, reunindo arte, meio ambiente e convivência, pretende enfrentar o isolamento das comunidades que vivem às margens da cidade, a partir da represa Billings, Distrito do Grajaú, São Paulo. O grupo de jovens artistas que atua no Imargem entende a arte como instrumento potente de expressão e interlocução; a convivência como mecanismo de explicitação de interesses, de construção de consensos e de enfrentamento dos preconceitos; e o meio ambiente como o resultado da relação conflituosa entre a ocupação humana desordenada e as paisagens da cidade.

Mari


Inquisição do Arco-Íris

O Senado estuda a proposta de criminalização da homofobia. Sinto-me vivendo no período da Inquisição do Arco-Íris. Além da inversão de valores sobre aquilo que entendo que seja a continuidade e evolução da espécie, estou vendo a homossexualidade se tornar um comportamento padrão amplamente divulgado como se fosse algo natural.

Assim como a banalização da violência propiciou espaço para os absurdos que passamos a considerar como normais, a banalização da sexualidade não deve permitir a palhaçada com que a questão vem sendo tratada. Não sou contra que gays tenham o mesmo direito civil básico dos demais, como união estável e liberdade de exercício de sua sexualidade. Mas também não vejo com bons olhos que uma criança seja criada por um casal homossexual e receba aquilo como modelo de família. Muito menos por motivos religiosos, muito mais como espécie.

Agora, para poder dizer o que penso, pode ser que eu precise fundar ou participar de uma religião em que não acredito, porque estes terão a liberdade para pregar suas crenças. Liberdade condicional que em tempos como este já perderam o sentido. Duvido que alguém seja processado por fazer piada contra branco machão (no máximo, vão dizer que é bullying). Mude para preto (nem sei se isto é o politicamente correto, espero que sim) e/ou homossexual (espero que também esteja correto), e veja o que acontece. Pula um bando de desocupados prontos para defender o pluralismo e a minoria “historicamente desfavorecida”.

Gostaria que Darwin estivesse por aqui, Talvez pudesse explicitar melhor seu ponto de vista biológico sobre o assunto. Sei que o homossexualismo não é apenas um fenômeno biológico, mas gostaria de uma opinião mais embasada para ajudar a compreender melhor como a natureza lida com esta questão. Tenho certeza que não tem a ver com evolução ou sobrevivência da espécie.

Da mesma forma, se Mendel pudesse nos visitar, acho pouco provável que encontrasse um gene diretamente responsável pela opção sexual, embora talvez fosse possível encontrar traços genéticos associados. Até porque tenho a impressão de que a opção sexual, nestes casos, não é hereditária por motivos óbvios.

Pelo jeito, poucas coisas são tão humanas quanto o preconceito, até porque o mesmo deve estar altamente associado à identidade do indivíduo.

Rafa

Pobre sofre discriminação, rico sofre bullying porque é importado

Essa coisa de bullying anda na modinha. Se você é rico, não sofre discriminação, mas sofre bullying. O pessoal de Higienópolis anda reclamando que sofre perseguição e bullying (que falta de criatividade minha, usei três vezes a mesma palavra no mesmo parágrafo já, se o editor de texto reconhecesse a palavra eu nem perceberia, mas com ela saltando aos olhos em grifos vermelhos fica difícil). Tudo porque não querem uma estação de metrô na esquina da Avenida Angélica com a Rua Sergipe. Mas acho que entendo. De acordo com um amigo meu, da última vez que esse pessoal viu um trem... muitos não voltaram e a humanidade conheceu aquilo que chamaram de holocausto. Pura maldade, até porque o bairro tem gente de tudo que é religião e o nazismo foi uma cobertura ideológica doentia para um problema econômico real. Auschwitz é algo de que o mundo jamais deverá se orgulhar.

Mas sacanagem mesmo é este bando de patrão tirando a facilidade de transporte de quem trabalha para eles. Não querem o metrô, mas quando a pobre da faxineira chega atrasada sempre tem uma mula pra reclamar que a camisa não está engomada direito ou que quer descontar o salário. O mais engraçado é que boa parte destes babacas são os mesmos que defendem um meio ambiente melhor e saem de carro importado todo dia. Um viva para a hipocrisia meu povo!

O mais legal de tudo é que a questão final para a mudança do local da estação se deve a critérios técnicos, por que a nova estação seria muito próxima a outra já existente, devendo então a estação mudar para a praça Villaboim. Tenho certeza que a reclamação dos moradores sobre um possível aumento da criminalidade e do comércio informal nada tem a ver com isso. Estas nobres pessoas jamais cogitariam estas possibilidades.

Os imóveis podem até valorizar depois de pronto, mas pergunta para o pessoal da Rua Rebouças em São Paulo, se vale a pena à espera eterna gerada por uma obra de grande porte até o imóvel se valorizar, fora o barulho infernal e os acidentes de percurso, como o que ocorreu na Rua Oscar Freire. Estes seriam motivos bem melhores para se reclamar.

No final de tudo, sempre sobra é para a bunda do povo.

Rafa

Rótulos

Ambientalista. Natureba. Feminista. Atéia. Ativista. Loirinha. Magrela. Louca dos gatos. Pé sujo. Brega. Estudiosa. Aplicada. Nerd. Anti-social. Heterossexual. Calada. Reservada. Tímida. Reprimida. Pessimista. Enjoada. Fresca. Esquisita. Bagunceira. Desorganizada. Maluca. Dorminhoca. Chorona. Briguenta. Chata.

São rótulos que me foram dados e com os quais lido diariamente. Não me incomodo com eles. A rotulação é feita a partir da identificação de comportamentos que se encaixam ou não em um pacotinho padrão que o rotulador tem pra si como ideal. E que não é o mesmo pacotinho que eu encaro como preferível. Dependendo de quem me rotula negativamente, encaro até como elogio. Afinal, eu também sei rotular, e muito bem.

Acredito que a rotulação dos outros faz parte do nosso cotidiano. É como nos reconhecemos como diferentes, estabelecemos um limite entre "eu e eles", ou as vezes entre "nós e eles". Assim como nossa opinião sobre os acontecimentos do mundo como um todo, sobre política, economia, religião, ou mesmo sobre a fofoca que a vizinha contou sobre aquela pessoa que você detesta e que dá uma vontade louca de sair espalhando (enfim, sobre as histórias, como é dito na Apresentação deste blog), nossa opinião sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas depende de como estamos situados no mundo.

Não é difícil cairmos no conto do "comigo não, sou racional e esclarecido o suficiente, não tenho preconceitos nem carrego modelos prontos". Ha. Haha. A escola em que você estudou, os amigos que teve, os livros que leu (ou deixou de ler), os programas de tv, os filmes, as músicas, tudo guiou suas opiniões e a forma como você se encara e encara as pessoas ao seu redor. Rotulamos e somos rotulados. Estranhos, conhecidos, parentes, amigos, melhores amigos. Ninguém escapa.

Também existem as rotulagens consagradas. O Boaventura tenta classificar dois períodos da história em período do paradigma dominante e período do paradigma emergente. As ciências são divididas em humanas, biológicas e exatas. Nós, por idade, profissão, postura, nacionalidade, posição política. Entendo que isso faça sentido para a lógica do mundo em que vivemos. Dividir para entender. Mas isso não faz sentido para mim. Os rótulos me atrapalham. Fazem as coisas perderem beleza e poesia.

Em um seminário da última aula, um grupo me inspirou a escrever este texto. Dentre muitas coisas, falaram sobre uma visão de mundo integrada. Creio que se conseguirmos de fato ver que tudo está conectado, entenderemos que não há necessidade de dividir. Nem de rotular. Quem sabe um dia possamos ver o mundo como Alberto Caeiro. Embora as vezes pareça que ele não vê poesia nas coisas, é ele quem dá mais poesia a elas.

Um exemplo singelo, dentre muitos que eu poderia escolher, sobre como a poesia das coisas se perde se elas forem rotuladas e classificadas:

"As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.

Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente."

Poema XXV - Em "Poemas completos de Alberto Caeiro - Ficções do Interlúdio/1")

Mari

O circo está armado


            O governo critica a Lei 8666/93 que rege as contratações e os processos licitatórios no Brasil. Segundo o governo, esta lei engessa as ações para as obras. A população está cansada de desculpas esfarrapadas. Todo mundo sabe que as obras vão acontecer “a toque de caixa”, com valores superfaturados, favorecendo meia dúzia de inescrupulosos. Para tentar driblar a lei, o governo lançou mão de um adendo à Medida Provisória 521, chamado de RDC (maiores informações mexam os seus traseiros e seus mouses).

            Como tudo que acontece no Brasil desde o período colonial, estamos vendo mais uma vez o jeitinho brasileiro em ação. Isto, nenhuma análise do Boaventura ou bula papal consegue modificar. Só para o leitor ter uma idéia, essas modificações vão permitir ao governo fazer contratações integrais de obras de uma única empreiteira para acelerar as obras. Em contrapartida, nós sabemos o que isto vai fazer com os valores e quem serão os vencedores destes processos.

            O problema é que nesta política de pão-e-circo o cidadão faz papel de palhaço. Paga as contas de um espetáculo que retira verbas de outras necessidades mais urgentes. Os sonhos da Copa e da Olimpíada ainda vão custar muito caro para os brasileiros. Mania de vira-lata que quer ser cão de raça. Devíamos ligar menos para esse falso status e mais para o desenvolvimento e a educação.

            Nem aquilo que deveria melhorar anda para frente. O transporte público deveria ganhar melhorias, mas nossos aeroportos continuam verdadeiras sucatas, o metrô é um parto para sair do papel e virar realidade, tudo para proteger o lobby da indústria automobilística, que também é uma verdadeira piada no Brasil. Vamos continuar tendo que andar nestas porcarias de estradas com quatrocentos pedágios (exceção feita à algumas em SP), lotadas com ônibus e caminhões e sem ferrovias.
           
Acho que vou sugerir novos símbolos para os eventos. O da Copa podia ser algo meio natalino, com o dinheiro no pé-de-meia escrito presente do governo para seus comparsas. O da Olimpíada pode ser um charuto com um cartola na ponta contando os maços de dinheiro. Seriam bem representativos. O esporte olímpico deixou de ser esporte há muito tempo. A copa é o circo pós-moderno.

Estamos novamente retrocedendo no combate a corrupção. Vamos levar de presente diversos elefantes brancos, tanto os estádios da Copa quanto as instalações Olímpicas. Se pararmos para pensar, é quase como institucionalizar a corrupção. Ficamos praticamente sem ação quando a corrupção está institucionalizada, é o mesmo que o terrorismo de Estado.

Esses megaeventos no Brasil já estão virando piada sem graça antes mesmo de começarem. Viva o Brasil.

            Rafa

Sobre educação e ideologia

Vocês leitores já tentaram ler um livro novo destes aprovados pelo MEC? A educação, que deveria ser implementada como algo libertador, está virando pacote de doutrinação de um governo corrupto. Muito longe da metodologia do século das luzes e do modelo moderno, mais distante ainda daquilo que entendo como educação pós-moderna, o material adotado faz claramente adulação ao governo atual e critica seus antecessores de outro partido, tendo cunho extremamente ideológico.

 Tenho que esclarecer que me sinto cada vez mais minoria no mundo. Sou branco, heterossexual, não utilizo de bolsas do governo e nem simpatizo com ele. Acho que como nova minoria tenho que brigar pelos meus direitos. O futebol de domingo mudou muito. Antes era solteiros contra casados. Hoje, tem que ficar um time de fora por que ganhamos o time dos casados com parceiros.

Levantei a bola deste assunto por que todo mundo fica em cima do muro quando é para criticar algo relacionado ao homossexualismo, até por que a mídia em geral toma uma postura de defender tudo e qualquer coisa relacionada ao assunto.  Defender os direitos, como o direito ao casamento, tudo bem. Mas a mídia só falta fazer do homossexualismo o modelo perfeito a ser seguido. É impressionante como isto ganhou espaço na mídia. Aceitar sim, espalhar como onda ou como modelo, não.

Outra coisa que já bateu no limite são as instituições de direitos humanos. Houve um tempo em que estas até exerciam bem sua função. Mas atualmente, parece reduto de proteção de bandidos. A quantidade de advogado de porta de cadeia infiltrada nestas instituições é tão grande que parece mais defesa do direito ao crime.

A distorção no país é tremenda. Do ponto de vista da comunicação, se na ditadura nada podia, a liberdade de hoje é a liberdade de praticamente tudo, sem responsáveis nem responsabilidades sobre seus atos. Em contrapartida, a educação, que deveria ser capaz de gerar o debate de idéias, passa por um processo de pasteurização. Estamos comendo do queijo de adoração petista que nada tem de melhor ou pior do que seus antecessores.

Só não digo que a situação está preta por que senão posso ser processado, como ocorre com nossa ilustre professora. Não falta desocupado no mundo.

Rafa

Matar é preciso

             Não podia passar esse semestre sem citar a morte de Osama. Prometo não ser prolixo (mais uma palavra que sempre quis usar!). Não vou defender nenhum dos lados. Osama morreu porque assim tinha que ser. Obama o matou por que precisava. Quantas coisas podem fazer sua popularidade subir 11% em um dia? Uma chuva de aviões e uma missão super secreta estão nesta lista restrita. Cada um matou e morreu pelas suas crenças. Mas também não posso deixar de fazer as devidas comparações com o nosso mundo.

           Na segunda-feira da morte de Osama, no Rio de Janeiro, uma triste notícia abalou a torcida do Vasco da Gama. Tendo sido vice-campeão do Estadual, agora o Vasco conseguia ser vice até nas bancas. Perdia, sem contestações, para a notícia da morte de Osama. Até a notícia da derrota do Vasco foi vice. O torcida frustrada.

            De todas as pessoas no mundo, a mais aliviada com a morte do Osama foi o Wally. Agora ele voltou a ser o mais procurado pelas agências de inteligência do mundo todo, o que deve garantir à série de livros “Onde está Wally” mais uma sobrevida. Poderiam lançar edições especiais. “Onde está Wally? – Bagdá Café”, “Onde está Wally? – A era do gelo”, ou então o brasileiríssimo “Onde está Wally? – Capitão Nascimento interroga”.

           Por que tantas versões cinematográficas sugeridas? Porque a notícia da morte de Osama foi coisa de cinema. O prefácio foi escrito em 11 de setembro. O encerramento foi incrível. Roteiro Hollywoodiano. Comando Delta desembarca de helicóptero, invade a casa e heroicamente metralha mulheres, crianças e velhos. O mal foi extirpado. Não tenho nenhuma afeição por Osama. Acho que foi só mais um radical que precisava ser morto. Mas não precisavam fazer disto uma propaganda e um roteiro de re-eleição.

          O melhor de tudo é ver que os métodos eficientes de tortura, com base científica conhecida e ampla utilização histórica, serviram de base para a descoberta do esconderijo. Algumas coisas não mudam nunca, não dependem de tempo histórico nem de contexto. Não chegam a formar uma verdade universal, mas tanto os modernistas quanto os atuais sabem. Matar é preciso. Justificativas nunca faltarão.

Rafa

Medicina que arquiteta a vida

           O que Galileu e Giordano Bruno tinham em comum? As teorias de Koper e o interesse pela observação dos astros e, sem maldade, as costas quentes. Nos primeiros 2 aspectos nenhuma surpresa. Já no terceiro, Bruno foi assado vivo, Galileu era amigo do papa e isso evitou que fosse queimado vivo. Bruno é herói. Galileu viveu para contar a história.

            E o que isso tem a ver com o título do texto? Nada. Nada mesmo. Só me recordei disto porque um grupo de seminário levantou 3 importantes figuras da humanidade e o que elas tinham em comum. As 3 estudaram medicina, mas exerceram outras profissões (o que é bem menos perigoso do que o contrário). Galileu, Joseph e um sujeito de nome esquisito que mais parecia modelo de cueca para agradar a mulherada. Sou horrível com nomes. Só me lembro que começava com V. Daí pra frente só me recordo de piadas infames, como a sugestão de nome para o próximo filme de Márcio Garcia, que contará com a presença ilustre e magnânima (sempre quis usar esta palavra!) de Ronaldo Fenômeno. V, de vigilantes do peso. Filmaço para o Ronaldo participar. Sem maldade. Já estão acertando até a participação do Adriano para fazer uma ponta no filme, se ele não estiver de férias na marginal sem número.

           Juntando o sofrimento da perseguição e a ciência, me recordei de uma ilustre figura brasileira. O sanitarista Oswaldo Cruz assumiu um cargo público federal e, em outubro de 1904, lançou a primeira campanha de vacinação obrigatória contra a varíola (conhecida lá fora como pox). Também criou as Brigadas Mata Mosquitos e campanhas de extermínio aos ratos. Se você acha que é muita informação inútil e não relacionável para apenas 3 parágrafos, parabéns, tenho duas boas notícias para você leitor. A primeira é que você tem bom senso. A segunda é que você sabe contar até 3.

           Para que todos esses projetos fossem adiante, derrubaram-se cortiços e prédios velhos que traziam problemas para a cidade do Rio de Janeiro. Claro que a população se revoltou. Nossos brilhantes militares, que naquela época não recebiam a devida instrução que a formação militar exige, tomaram frente nestes movimentos. Todo mundo estava com medo da vacina. Não encontrei relatos históricos, mas me parece que o brilhante doutor lançou o primeiro plano de extensão de “condomínios horizontais” nos morros cariocas, praticamente fazendo dele o criador do carioca way of survive, em contraposição ao famoso american way of life.

           A descrição dos acontecimentos relata, em média, cerca de 50 mortos e 110 feridos (me recuso a oferecer detalhes do método de obtenção desta informação). A revolta deve ter matado mais que a varíola naquele ano. Ainda, de acordo com historiadores, muitos foram presos e deportados para o Acre. Fala sério, melhor morrer no Rio do que viver no Acre. Queima o sujeito na fogueira. Mandar para o Acre, como diria a nossa amiga fã do Restart “é uma puta falta de sacanagem”. A essa altura do texto, tenho certeza que Foucault está se revirando no túmulo simplesmente por que não citei o renomado “O Nascimento da Clínica”. Menos Foucault, menos.

Rafa

A cartografia influencia a construção das opiniões?

Infelizmente, não pretendo aqui responder à pertunga-título da postagem, acho que essa seria uma empreitada muito maior do que sou capaz com o conhecimento que tenho da questão. Mas creio que a discussão, que até já vi aparecer em alguns locais nos últimos anos, sobre o tipo de representação gráfica convencionalmente utilizado por nós, principalmente em mapas de pequenas escalas (para mapas em escalas maiores há soluções mais engenhosas), é bastante pertinente para refletirmos sobre a construção das opiniões. Para não excluir da discussão aqueles que nunca se inteiraram do tema, aqui vai uma sucinta explanação sobre cartografia.

A conversão de uma superfície esférica tridimensional em uma superfície bidimensional, como acontece quando representamos a superfície terrestre em um mapa, não pode ser feita sem alguma distorção, e é preciso escolher entre conservar ângulos ou manter proporcionais as áreas. Ou seja, as formas e as dimensões não podem ser preservadas ao mesmo tempo. Existem alternativas que distorcem mais ou menos determinados locais da superfície terrestre, e pode-se escolher a representação mais adequada para examinar uma área de interesse. Esses aspectos técnicos são muito interessantes e, embora desnecessários à discussão proposta, valem a pena ser pesquisados.

A representação mais utilizada nos mapas mundi, a que vemos estampada em atlas, livros e apostilas, é a de Mercator. Trata-se de uma projeção cilíndrica que conserva os ângulos verdadeiros, o que lhe confere uso consagrado na navegação marítima e aeronáutica. No entanto, em altas latitudes, as distorções nas áreas ficam gritantes (a Groenlândia, que possui 1/8 do tamanho da América do Sul, parece ser maior que ela), e os polos nem mesmo podem ser representados. Para se ter melhor noção das deformações geradas por diferentes projeções, vale a pena comparar a de Mercator com a de Peters. Esta última é também uma projeção cilíndrica, mas faz a opção inversa da primeira: conserva a proporcionalidade das áreas, distorcendo os ângulos.

Me impressionei quando vi esta comparação, em uma aula de “técnicas de representação”. Salta aos olhos o aumento do tamanho da África, da América do Sul e da Oceania, quando vamos de Mercator a Peters. Não quero de forma alguma levantar aqui a lebre da existência de qualquer conspiração mundial, isso é mais uma questão de gosto. Mas não creio que seja desprezível o fato de que o mapa mundi que sempre vemos representa uma Europa e uma América do Norte cujas porções de terra parecem ser muito maiores do que de fato são, aparentando que eles têm uma importância geográfica muito maior do que de fato têm. E aquelas comparações típicas que sempre aparecem quando se estuda Geografia, de que cabem X Portugais dentro do Estado de São Paulo, ou Y Europas dentro da Amazônia, não impactam da mesma forma que a descoberta do mapa mundial feito pela projeção de Peters. Afinal, uma imagem diz mais que mil palavras.

Assim, não posso também deixar de me perguntar: será que nos é incutido um “respeito” maior a esses continentes do que teria sido se estudássemos mapas feitos com a projeção de Peters? Tamanho pode até não ser documento, mas com certeza se impõe, principalmente quando associado a uma determinada conjuntura histórica, econômica, política e social.

A primeira vez que realmente pensei no quanto a forma como vemos a representação gráfica do mundo nas cartilhas escolares pode influenciar nossa pré-disposição à (não)aceitação de determinados valores foi quando assisti ao vídeo Levante Sua Voz. Ele nada tem a ver com cartografia, trata sobre comunicação. Mas em uma das cenas, justamente durante uma discussão sobre a formação das opiniões, aparece um globo terrestre invertido. Quem determina que o mundo seja visto assim ou assado? A Europa está mesmo “acima” da África?

Mari

Aborto: uma questão de dignidade e de saúde pública

Uma mostra na Pinacoteca de São Paulo, aberta até dia 05 de Julho, reúne mais de 100 obras da lusitana Paula Rego, entre pinturas, gravuras, desenhos e colagens. As telas da pintora pós-moderna carregam uma narrativa extremamente densa, e abordam questões como violência, jogos de poder, crueldade e a situação da mulher. Na série de telas denominada “Aborto” (1997-1999), a artista faz uma crítica aberta ao referendo que em Portugal justificou a continuação da criminalização do aborto. Nas palavras da própria artista, “na minha aldeia testemunhei como tudo se fazia às escondidas, vi a dor e a vergonha. Tantas mulheres me vieram pedir dinheiro para abortar… Por vezes, morriam de septicemia. Ou lavavam-se na praia, as entranhas saídas, como vacas esventradas”. Para José Luis Peixoto, um dos novos nomes da literatura portuguesa e admirador do trabalho de Paula, nos trabalhos que dedicou à temática do aborto, Paula faz notar que “o fim da ditadura política não foi o fim da ditadura das cabeças, das mentalidades”. Em 2007, o aborto até a 10ª semana de gestação foi legalizado em Portugal, o que ainda está longe de ser ideal.

Países que criminalizam o aborto, como o Brasil, não têm suas taxas desta prática diminuídas. Ao contrário, o número de abortos ilegais, muitos deles inseguros, é alto, bem como a taxa de mortalidade materna, decorrente das complicações deste tipo de procedimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, anualmente, 35 a 50 milhões de abortos são induzidos; destes, 20 milhões são abortos inseguros. Esses procedimentos causam graves complicações reprodutivas a milhares de mulheres, visto que são feitos em condições precárias, sem o mínimo de suporte técnico de qualidade. Deste modo, 70 a 80 mil mulheres morrem por complicações devido ao aborto inseguro, sendo que 95% destes ocorrem em países em desenvolvimento (World Health Organization. Unsafe Abortion). Isto é, 13% das mortes maternas se devem ao aborto inseguro. O número aumenta na América Latina, onde o abortamento inseguro é determinante de 21% das mortes maternas (World Health Organization. Unsafe Abortion).

No Brasil, o aborto é considerado crime, exceto em casos em que a gestante corre risco de morte e em casos de gravidez resultante de estupro (com bastante burocracia). O caso do feto anencefálico já foi permitido, mas depois revogado. Como resultado, o aborto inseguro é responsável por 250 mil internações no Sistema Único de Saúde, para tratamento de suas complicações, sendo a curetagem pós-abortamento o segundo procedimento obstétrico mais realizado no serviço de saúde pública. Neste sentido, a mortalidade materna por aborto inseguro é também significativa no Brasil. Em algumas cidades, o aborto inseguro está entre as cinco primeiras causas de mortes maternas.

Os riscos envolvidos no procedimento do aborto ilegal e inseguro não desestimulam as mulheres a recorrerem a ele. Sem muita precisão, estima-se que cerca de 1 milhão de abortos são realizados anualmente de modo clandestino no Brasil. A prática é realizada por mulheres jovens ou mais velhas, com ou sem condições econômicas de pagar pelo procedimento em clínicas clandestinas, casadas e solteiras. O aborto não conhece idade ou classe social, mas as mortes decorrentes dele sim.

Afora este panorama que coloca o aborto como um problema de saúde pública, existe toda a discussão que envolve o direito da mulher de decidir sobre o próprio corpo. A imposição de uma gravidez não desejada viola o direito à dignidade, autonomia reprodutiva, integridade mental e o direito de não ser submetida à tortura ou tratamento desumano, cruel ou degradante. A imposição de gravidez às mulheres é internacionalmente reconhecida como sofrimento mental equivalente à tortura, como decidido pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso K.L v. Peru (Communication No. 1153/2003: Peru. CCPR/C/85/D/1153/2003).

As mulheres da série “Aborto”, de Paula Rego, não são vítimas. Não são apenas personagens passivas que se queixam da fatalidade de um mundo adverso. Em seus rostos está presente a força altiva de um olhar de determinação, de desafio e de dignidade. Algumas delas encaram o observador. São mulheres que enfrentam a hipocrisia de uma sociedade que insiste em tratar o aborto como um tabu religioso e condená-lo à clandestinidade. Esse enfrentamento é vitorioso: elas estão exercendo o direito que têm sobre seu próprio corpo.

Mari

Fontes:

CABRAL, P. C. F.; RODRIGUES, S. C. I. “O sexual e o político na obra de Paula Rego”, disponível em http://www.intermidias.com/txt/ed9/osexual_eo_politico.pdf - acessado em 15/04/11

DREZETT, J. “Abortamento como problema de saúde pública”. Resumo da conferência apresentada no Painel de Descriminalização do Aborto realizado em Brasília e promovido pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 07 de junho de 2005.

PEIXOTO, J. L. (2011) “Para imaginar histórias” Revista Bravo! Edição 164. Páginas 76-79.



Colonialismo e pós-modernismo

            A história que conhecemos é a dos vencedores. Ela é contada por aqueles que sobrevivem à batalha, que vencem para levarem sua versão e ideais adiante. A guerra não tem regras. A lógica da guerra não admite regras. Toda guerra é uma disputa de poder. O europeu sabia porque estava aqui, sabia o que queria encontrar. O europeu já estava em guerra.

            Os silvícolas não faziam idéia do que os encontrava. Mas em pouco tempo perceberam que teriam de lutar por suas vidas. O domínio envolvia espada e cruz. Quem não era eliminado pela espada, era subjugado pela cruz. Pobres selvagens. Não sabiam que guerra não tem hora. Nem para chegar, nem para acontecer. O europeu combatia à noite. O silvícola tinha muitas regras, regras que não cabiam em uma guerra.

            Em uma guerra, determinação e tecnologia fazem diferença. Uso a palavra determinação porque ganância e ambição me soam muito simplistas, como se houvesse certo e errado. O homo sapiens eliminou o homo neandertalensis, por que o europeu não poderia eliminar o indígena?

             Em termos de tecnologia, a forja do aço, o cavalo, as armas de fogo, ainda que simples, faziam uma diferença imensa. As doenças dos brancos eram uma arma tão ou mais mortal que suas espadas. O que nos faz humanos? Lamentar pelos indígenas? Discordo. Não tem nada mais humano do que seguir em direção aos seus objetivos. Os colonizadores sabiam disto.

             O modernismo nunca se concretizou para todos? Não posso afirmar com certeza, mas posso dizer que se concretizou para a maioria. Inclusive para os silvícolas. Estes sentiram mais concretamente os resultados do que se pode imaginar. Do ponto de vista antropológico, fizeram o papel de objeto. Não podemos nos esquecer também que grande parte dos colonizadores era a escória em seus países, dispostos a fazer o serviço sujo nas colônias.

            O europeu encontrou nas invasões a possibilidade de amplo financiamento para suas atividades, assim como os gregos o tiveram durante sua época mais próspera, a custo da liberdade de outros. Ter quem fizesse os trabalhos mais árduos sem praticamente nenhum custo é que permitiu aos europeus vivenciarem seu período mais fértil.

            A única coisa que percebo de diferente nos modelos de dominação mais recentes é que estes são mais inteligentes. Ao invés do conflito armado, as guerras são travadas no campo das idéias, cabendo às armas fornecerem suporte às canetas apenas nos casos em que as idéias fracassam.

            Como toda ação deste tipo parece carecer de uma justificativa aceitável, a sociedade da época engoliu a idéia da igreja que os povos pagãos eram ausentes de alma, e que só existiam dois caminhos, a extinção ou a conversão. Os sentimentos de amor e de culpa burgueses não permitiriam tais atrocidades, salvo uma forma de libertação com a qual pudessem se confortar. Quer um aval melhor para matar do que uma autorização escrita de um papa?

            No mundo, não há espaço para todos. Na lógica do capital, que estava em plena ascensão, o que cabia no mundo era o que podia por ele ser explorado. E isso segue até hoje desta forma. O alternativo, na cultura e na economia, está muito mais ligado à sobrevivência do que ao sucesso. E quando coloco o alternativo, digo o alternativo mesmo, não o pseudo-alternativo que ensaia uma crítica à mão que o alimenta, que se comove com a mesma facilidade com que se conforma.

            Então como ficamos nós? Nós somos descendentes de europeus, mas não somos europeus. Se baixarmos a cabeça, viramos vassalos. Se nossos antepassados vieram para cá porque não havia mais espaço para eles nas metrópoles européias, então por que aceitarmos as imposições das mesmas? Não sejamos mais vassalos. E não nos preocupemos com os modelos externos. Podemos escrever a nossa própria história. O que demanda desenvolvimento e força para mantermos tal posição, ações necessárias em um mundo em constante guerra.

            Em tempo: para aqueles que não gostaram da linguagem, precisam se desvencilhar das amarras da forma, pois estas são muito boas para ensaios plenamente científicos, mas nem sempre atendem à necessidade de comunicação de um texto para blog. Além disto, encarem como uma maneira de romper com essa formalidade modernista européia e um caminho para o novo. Já para aqueles que não gostaram do conteúdo, recomendo seriamente saírem de sua zona de conforto e encararem a vida.

Rafa

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