Rótulos

Ambientalista. Natureba. Feminista. Atéia. Ativista. Loirinha. Magrela. Louca dos gatos. Pé sujo. Brega. Estudiosa. Aplicada. Nerd. Anti-social. Heterossexual. Calada. Reservada. Tímida. Reprimida. Pessimista. Enjoada. Fresca. Esquisita. Bagunceira. Desorganizada. Maluca. Dorminhoca. Chorona. Briguenta. Chata.

São rótulos que me foram dados e com os quais lido diariamente. Não me incomodo com eles. A rotulação é feita a partir da identificação de comportamentos que se encaixam ou não em um pacotinho padrão que o rotulador tem pra si como ideal. E que não é o mesmo pacotinho que eu encaro como preferível. Dependendo de quem me rotula negativamente, encaro até como elogio. Afinal, eu também sei rotular, e muito bem.

Acredito que a rotulação dos outros faz parte do nosso cotidiano. É como nos reconhecemos como diferentes, estabelecemos um limite entre "eu e eles", ou as vezes entre "nós e eles". Assim como nossa opinião sobre os acontecimentos do mundo como um todo, sobre política, economia, religião, ou mesmo sobre a fofoca que a vizinha contou sobre aquela pessoa que você detesta e que dá uma vontade louca de sair espalhando (enfim, sobre as histórias, como é dito na Apresentação deste blog), nossa opinião sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas depende de como estamos situados no mundo.

Não é difícil cairmos no conto do "comigo não, sou racional e esclarecido o suficiente, não tenho preconceitos nem carrego modelos prontos". Ha. Haha. A escola em que você estudou, os amigos que teve, os livros que leu (ou deixou de ler), os programas de tv, os filmes, as músicas, tudo guiou suas opiniões e a forma como você se encara e encara as pessoas ao seu redor. Rotulamos e somos rotulados. Estranhos, conhecidos, parentes, amigos, melhores amigos. Ninguém escapa.

Também existem as rotulagens consagradas. O Boaventura tenta classificar dois períodos da história em período do paradigma dominante e período do paradigma emergente. As ciências são divididas em humanas, biológicas e exatas. Nós, por idade, profissão, postura, nacionalidade, posição política. Entendo que isso faça sentido para a lógica do mundo em que vivemos. Dividir para entender. Mas isso não faz sentido para mim. Os rótulos me atrapalham. Fazem as coisas perderem beleza e poesia.

Em um seminário da última aula, um grupo me inspirou a escrever este texto. Dentre muitas coisas, falaram sobre uma visão de mundo integrada. Creio que se conseguirmos de fato ver que tudo está conectado, entenderemos que não há necessidade de dividir. Nem de rotular. Quem sabe um dia possamos ver o mundo como Alberto Caeiro. Embora as vezes pareça que ele não vê poesia nas coisas, é ele quem dá mais poesia a elas.

Um exemplo singelo, dentre muitos que eu poderia escolher, sobre como a poesia das coisas se perde se elas forem rotuladas e classificadas:

"As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.

Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente."

Poema XXV - Em "Poemas completos de Alberto Caeiro - Ficções do Interlúdio/1")

Mari

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